O turismo que temos será aquele que queremos?
Agora que a romaria começou, todos os caminhos vão dar a São Teotónio. Desde o ano de 1997 os primeiros dias de Agosto são marcados pela realização de um dos maiores festivais do país. Inicialmente, todos concordavam que o festival traria turistas, veraneantes, visitantes e poria a região no mapa. Nessa época já a Zambujeira do Mar e os campos e praias de São Teotónio eram regularmente referenciados pela comunicação social como lugares aprazíveis, de belezas naturais bem preservadas e clima ameno, com uma cultura popular rica e uma gastronomia ímpar, que conjuga as tradições alentejanas com as maresias do atlântico.
Logo no início dos anos 90, essa divulgação nos media trouxe um novo tipo de turistas, gente que fugia dos lugares habitualmente referenciados como trendies na estação quente – gente cor-de-rosa, figuras públicas, gente que buscava isolamento, gente cosmopolita que procurava guetos reservados, exclusivos e alternativos, gente urbana que desejava individualizar-se e exaltar o ego nas noites do clube da praia, do fresco e outros bares; e na pacatez e simplicidade das nossas ruas com exaltações feéricas de théâtre et mise-en-scène, recorrendo a cuidadas produções estilísticas do guarda-roupa, gestos e atitudes esfuziantes.
A chegada destes novos turistas não passou despercebida e em pouco tempo a comunicação social começou a mencionar a Zambujeira do Mar como uma das praias mais IN do verão lusitano. A mediatização abastardou o ambiente que se vivia neste recôndito refúgio e na época seguinte os cosmopolitas e urbanos não voltaram, sendo a região ocupada por um novo tipo de turistas – os suburbanos.
Neste período a praia começou definitivamente a mudar… Na época estival a Zambujeira recebia veraneantes fidelíssimos, gentes do concelho ou provenientes de outras zonas, particularmente do baixo e do alto Alentejo e da região de Lisboa. Eram grupos familiares, pessoas que se conheciam desde há gerações e que ali se reuniam anualmente “a banhos”. Com a chegada dos indivíduos suburbanos inicia-se a descaracterização da pacatez e serenidade, dos hábitos e tradições do verão na Zambujeira. Nos primeiros anos a maioria dos habitués fez finca-pé e manteve-se incólume julgando que a invasão seria passageira, todavia o lançamento do Festival do Sudoeste foi o pronuncio do fim da Zambujeira perfeitamente esquecida e maravilhosamente perdida num dos últimos paraísos do continente lusitano.
A implementação do festival não dividiu opiniões, era quase consensual que “seria bom para a terra” traria visitantes, turistas, viajantes, veraneantes, consumidores, oportunidades de negócio, publicidade para a região, desenvolvimento e progresso!
Quando os veraneantes habituais começaram a abandonar a praia, embora desgostosas a maioria das pessoas permaneceu firme julgando que as novas multidões trazidas pelo festival compensariam (e de que maneira!) a ausência e desistência dos antigos. Havia até quem julgasse que a seguir à primeira semana de Agosto, se iniciaria a pacatez que todos ansiavam e os habitués retornariam para desfrutar o verão na sua plenitude.
Com o passar do tempo a lucidez apoderou-se das opiniões, e as pessoas começaram a ver com clareza todas as implicações do festival. Houve contudo uma época, em que se falou que a empresa organizadora do sudoeste não entrava em acordo com o proprietário do terreno onde se realiza o festival – a Herdade da Casa Branca e estava aberta a hipótese do festival ser realizado noutra zona. Nessa altura as opiniões vacilaram! "Perder o festival para outra zona??? Não pode ser!" Certo é, que o festival se manteve por cá, para alegria e contentamento de alguns, mas hoje fala-se novamente no seu fim, agora de uma forma definitiva.
O Festival do Sudoeste tem sempre sido o palco de controvérsias e acesas discussões. A freguesia, as praias, os campos, as ruas, as estradas, o comércio, as hospedarias, o parque de campismo, os restaurantes e cafés são invadidos por multidões ávidas de consumo – consumo barato mas intensivo. Acomodam-se como podem, escolhem os alojamentos mais económicos ou se possível gratuitos (campismo selvagem, dormidas na praia, no campo ou no carro). A limpeza corporal é feita nos banhos públicos, no canal, nas ribeiras, nas fontes e na praia. A alimentação é parca (tem de sobrar dinheiro para a bebida y otras cositas más), comem o que podem e não como devem, e escolhem a ementa em função do preço! Quem são??? Caracterizá-los seria um exercício digno de um sociólogo, antropólogo ou psicólogo muito paciente, desocupado e sem outras tarefas mais interessantes com que se ocupar. São uma fauna miscigenada, gente estranha, bizarra e tétrica, aspecto terrífico, aromatizada por intensos odores corporais, trajes e adereços reveladores de pertenças ou simpatias por movimentos e tendências lúgubres tipo góticos, trances, rastas & afins. Grupos fabricados pela suburbanidade e pela iliteracia reinante no país, pessoas que procuram sair da indigência social e cultural buscando referências em imagens, códigos, dialécticas e manifestos miseráveis e vazios de conteúdo, que incitam a estilos de vida marginais e pouco consentâneos com os modelos organizativos da sociedade produtiva, geradora de desenvolvimento e de riqueza.
Começam a chegar nos últimos dias de Julho e ficam até onde é possível esticar o dinheiro, certo é que alguns conseguem ficar o resto do verão. As praias e os campos são totalmente assolados por estas pessoas, porém com o passar dos dias começam a esvaziar-se, mas o resultado deste impacte mantém-se! O lixo, os despojos, as sobras, as consequências e os danos ficam e aqueles que prezam esta terra lamentam! O festival fez disparar os preços dos alojamentos e dos bens de consumo, aliciou para o lucro fácil e incrementou a especulação imobiliária na sua pior vertente.
Não queremos ser um segundo Algarve, mas isto é pior do que as piores zonas do Algarve (a praia de Quarteira tem ou não tem melhores inquilinos nesta época?). Reclamamos um turismo de qualidade, direccionado para segmentos de mercado heterogéneos, mas com elevados níveis de exigência, onde a quantidade e a ocupação massiva seja preterida em função da qualidade, unicidade e singularidade de empreendimentos planeados de modo equilibrado e sustentado, e que se harmonizem com as características naturais, culturais e sociais da região.
Fala-se de resorts, golfes e empreendimentos destinados a clientelas selectas e endinheiradas, mas será essa a solução para a qualificação da oferta turística na região? Tantas autarquias que já licenciaram esse tipo de projectos e hoje opõem-se veementemente a esses investimentos megalómanos que estagnam a economia local pela sua natureza de autênticos colunatos onde tudo existe para satisfazer o turista, sem que se verifique uma relação de reciprocidade entre esses guetos de luxo e o território onde se implantam. Muitos desses golfes e resorts, são também formas disfarçadas de fazer loteamentos e condomínios fechados. Desta forma, esses pseudo-loteamentos são aprovados em muitas zonas do país sob a capa de empreendimentos turísticos contornando algumas brechas da legislação. Seguramente não desejamos a ocupação massiva da nossa região, todavia esse turismo de luxo que tanto se fala… será a melhor solução? E se for essa a derradeira solução será que os mamarrachos que hoje vimos construir; o mau planeamento urbano; as multidões do festival de sudoeste; as carências em infra-estruturas básicas e cuidados de saúde e a fraca qualidade das poucas vias de comunicação, se compatibilizam com esses édenes fabricados pelo dinheiro? Ou será que vai acontecer o mesmo que no Algarve? Resorts, hotéis e aldeamentos turísticos de luxo onde o turista tem de vendar os olhos sempre que sai desses paraísos idílicos, porque tudo o resto é muito mau – mau urbanismo, mau ordenamento, mau paisagismo e má arquitectura.
O que acontece aqui, é que esses grandes empreendimentos turísticos ainda estão na fase de projecto e aquilo que é construído actualmente pelos pequenos promotores é nefasto e compromete seriamente o sucesso dos investimentos vindouros. A descaracterização urbana e arquitectónica começa a acentuar-se e na Zambujeira do Mar chega a ser calamitosa!
Há quem diga que o resultado das imprudências cometidas ao longo dos anos no ordenamento do território deste país tem a ver não só com a iliteracia do povo, com a gula e avidez dos promotores e construtores mas também com a ignorância, pelintrice e pedantismo dos indivíduos que se colocam em certos cargos políticos, muito particularmente nas autarquias. São pessoas com pouca visão, pouco letradas, sem cultura, sem gosto, quando detentoras de algum diploma universitário pertencem na maioria das vezes à primeira geração que estudou na família, e não se fazem rogados… exigem tratamento diferenciado! Ainda que muitos tenham obtido classificações medíocres ou sem brilhantismo, concluindo bacharelatos e licenciaturas de qualidade duvidosa, frequentemente em universidades privadas ou públicas de 5.ª categoria e não tenham sequer feito mestrado ou doutoramento, são todos doutores e quando o não são pertencem à Ordem dos Arquitectos ou dos Engenheiros ou à ANET (só o nome assusta! Associação Nacional de Engenheiros Técnicos). Agarram-se ao cargo com "unhas e dentes" e sempre que têm oportunidade enfiam a família e os amigos em empregos no sector público através de concursos expressamente elaborados para esse efeito!
Com o tempo o cargo ofusca-os e excedem-se, (“nunca sirvas quem serviu, nunca peças a quem pediu”) gente proveniente do povo começa a ser idolatrada e bajulada pelo povo e muito particularmente por investidores que não se importam de pagar uns cobres a mais para licenciar aquilo que mais dinheiro render.
No princípio há alguns resistentes que procuram respeitar integralmente os regulamentos e as premissas que inicialmente propuseram no programa do mandato, com o nobre propósito de melhorar a qualidade urbanística dos concelhos. Todavia, "quanto mais se tem, mais se quer", e se antes auferiam um salário de miséria, com conquista do cargo público ou político dão pulos de contentamento nos primeiros meses de vencimento, mas com o passar do tempo aquele dinheiro ao fim do mês torna-se insuficiente e as propostas dos construtores e investidores tornam-se tentadoras. No final todos vergam! Cada um ganha o que pode, de forma discreta e imaginativa. Organizam jantares em recantos muito esconsos de restaurantes dos arredores, planeiam contornar os PDM’s e demais regulamentos (fazendo tudo dentro da lei! como é vulgar dizerem).
Inicialmente, nos primeiros contactos disfarçam a ansiedade pelas comissões, resistem, dificultam, opõem-se às ideias do promotor, pedem para reduzir aqui e ali no projecto. O investidor compra o terreno a pensar que pode construir 100, mas o presidente, o vereador ou os arquitectos e engenheiros dizem que só dá 50… Assim, conseguem aumentar o valor do prémio, dificultam e dificultam, mas depois de uns jantares, de uns telefonemas fora de horas, de uns cheques, umas viagens, uns carros, uns terrenos, umas casas ou apartamentos, aquilo que dava para construir 100 já permite 120, estica-se a área, o número de pisos e o número de fogos, o promotor faz também umas cedências e oferece-as ao concelho para ficar bem na fotografia e tranquilizar a consciência dos corruptos e tudo se resolve à custa daquilo que todos nós sabemos! Do balanço, fica tudo o que nós conhecemos… os senhores que trabalham nas autarquias ganham, os donos dos bancos ganham com os financiamentos, os promotores dos investimentos ganham e Portugal continua a perder!
As pessoas erradas ocupam os lugares chave neste país, desconhecendo a dualidade intrínseca de dois conceitos muitas vezes opostos – crescimento e desenvolvimento, para haver desenvolvimento tem sempre de haver crescimento sustentado e estruturado. Aquilo que ambicionamos e merecemos é uma região salvaguardada e protegida do crescimento rápido e destrutivo – que enriquece rapidamente alguns e compromete o desenvolvimento futuro de todos e de Portugal. Desejamos investimentos que não tragam apenas riqueza para os promotores, mas também para a região, que fomentem o desenvolvimento equilibrado, que potenciem a qualidade de vida, que se compatibilizem com o património edificado, natural e cultural, que se projectem na modernidade respeitando a morfologia urbana das vilas, os modelos vernaculares de ocupação do território e os valores padrão da arquitectura tradicional. Ambicionamos o retorno dos antigos veraneantes e a chegada de novos turistas, exigentes e com gostos sofisticados que incitem o desenvolvimento e qualificação do sector terciário e de toda a economia da região. "Cada um tem aquilo que merece" e... o turismo que temos poderá ser aquele que merecemos, mas não será seguramente aquele que queremos!
7 comentários:
Excelente texto.
Nuno
Agradeço o seu simpático comentário! Espero que continue a visitar-nos.
Caros Bloguistas
Theot�nio esteve muito atarefado nestes dias a ensinar aos jovens o caminho para a herdade da Casa-Branca em S.Teot�nio, onde se realiza o festival do Sudoeste motivo porque n�o vos disse: os vossos artigos est�o �ptimos.
Continuem!
Olá queridas saias compridas, hoje o Jonas viu uma das lindas saias entrar na igreja com as costas nuas e grande parte das mamalhocas, o verdadeiro Jet set, não entra na Igreja com estes preparos...Isto é mesmo contra todas as regras de boa educação entrar descascado num local de culto, num velório, no emprego, ou numa visita de cortesia...
Caros Bloguistas
Há uma pergunta que faço a mim mesmo quando passo à FACECO, porque motivo um espaço tão bom não serve para eventos como mostras gastronómicas da região, na altura dos Santos feira de produtos do Outono, e tantos eventos podiam fazer uma vez que temos uma região de grandes potêncialidades, até o nosso querido Presidente beneficiava, uma vez que tem uma residencial e S.Teotónio ficava mais lindo com as ruas cheias de pessoas.
Theotónio
Visitei hoje pela primeira vez o vosso site, há dias um amigo disse-me exactamente o mesmo que dizeis, frente a um bar na zona mais central e bonita da Zambujeira.
Parabéns pelo blogue.
Belli
OI minha dica é ir pra Praia do Rosa no inverno tambem visitar as Baleias Francas que ficam amamentando seus filhotes em torno de julho a outubro , reservas de pousadas e casas podem entrar no Poral http://www.praiadorosa.blog.br.
Valeu pessoal boas fotos.
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