12.5.08

A agricultura que temos será a que queremos?

A modulação dos terrenos, a ligação aos ciclos da natureza e às características do lugar, as texturas, as cores e os aromas em constante mutação, a celebração da vida e da sua renovação em cada sementeira e em cada colheita, a compartimentação dos campos e divisão das parcelas, o uso da água e a genialidade dos sistemas de rega, a tranquilidade interrompida pela azáfama dos trabalhadores e das máquinas, a cultura popular cunhada por tradições ancestrais geradas num meio onde o homem e a terra se fundem. Imagens bucólicas daquela que é seguramente uma das actividades mais destruidoras do planeta.

Ao longo das últimas décadas as actividades do sector primário foram alvo de grandes alterações, no sentido de maximizar a produção e minimizar os riscos, nomeadamente a vulnerabilidade perante os fenómenos da natureza. As lavouras tradicionais dependentes das características do meio em que eram produzidas dão hoje lugar a outro tipo de culturas muito mais impositivas. A agricultura é uma actividade económica e alguns dos agentes intervenientes neste sector em Portugal não souberam acompanhar as evoluções.

Hoje os campos agrícolas são sacrificados com vastas extensões de monoculturas intensivas que são alimentadas com aditivos e nutrientes específicos para cada plantação. Os químicos – fertilizantes e pesticidas são introduzidos no solo sem qualquer tipo de controlo. Hoje as culturas não necessitam de se adaptar ao lugar, porque o lugar pode adaptar-se às culturas. Cria-se a climatização certa, equilibra-se o solo ou outro meio com os nutrientes necessários, usam-se sementes modificadas e obtém-se a cultura pretendida, com a cor, a forma e o estalão mais vendáveis.

Este tipo de agricultura é evidentemente invasiva, contamina os lençóis freáticos, altera a natureza dos solos, esgotando-os, prejudicando espécies endémicas animais e vegetais. Estes métodos altamente lucrativos apresentam-se hoje como os mais fiáveis para os agricultores portugueses que quiserem ser competitivos num mercado em que o escoamento de produtos perecíveis é usualmente comprometido pelas dificuldades geradas pela cotização e distribuição.

Em Odemira, onde o sector primário ainda ocupa um lugar determinante na economia do concelho, largos hectares de terreno são ocupados por culturas de grande rendibilidade, nomeadamente os frutos vermelhos para serem vendidos em mercados internacionais. O Sr. Presidente da Câmara Municipal disse recentemente à comunicação social que não permitiria que Odemira se assemelhasse ao sul de Espanha (por ex. Almería e Adra em particular, onde as estufas cobrem vastidões de terra, as imagens do "Google Earth" são bem explícitas).

Porém, desde os tempos do famoso Thierry Roussel os campos e até as dunas em pleno Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina têm vindo a ser ocupados pela agricultura plástica. Inicialmente, este investimento essencialmente estrangeiro criou emprego numa zona onde a escassez de indústria, dificulta a entrada no mercado de trabalho de uma população pouco escolarizada.

Hoje os ingleses, holandeses, americanos, espanhóis continuam a investir no concelho, porém empregam mão-de-obra ainda mais “barata” e nos campos de Odemira trabalham chineses, tailandeses, búlgaros, romenos… Em Odemira procura-se alternativas ao trabalho do campo, os jovens actualmente com mais formação escolar e qualificação tecnico-profissional continuam a partir para outras regiões, deixando a região vazia dos seus frutos, envelhecida nas suas raízes e com uma população não residente de trabalhadores vindos de todas as partes do globo.

Os solos vão-se esgotando, o Parque Natural vai empobrecendo e os odemirenses continuam sem trabalho e sem usufruir plenamente desta economia parasita que se instalou no concelho.

Texto cedido pela Marianne para publicação neste blogue.

4 comentários:

Anónimo disse...

Sentia falta dum novo artigo este é muito oportuno, a agricultura que temos é a que nos foi criada por homens que não sabem mais do que viajar de avião e gastar o inutilmente o dinheiro dos contribuintes e estão a fazer dos nossos filhos uns inuteis parasitas sem desejos de mais alto, pois neste sistema apenas se safam os que realmente gostam de saber e estudar, uma grande maioria apenas anda lá a aprender a vadiar e a massar os professores, a esses o estado devia dar-lhe uma profissionalização de acordo com os seus talentos, "de pequenino se torce o pé do pepino", se esta rapaziada que anda por ai à boa vida tivesse as mãos ocupadas não havia tanta marginalidade, nem vinham tantos estrangeiros trabalhar na agricultura.
Os senhores que se abetoaram com os subsídios não pagaram a quem lhes arrendou a terra também contribuiram para o caos em que nos encontramos.
Quem pode nesta zona dedicar-se à lavoura?
Quanto se paga de taxas e sobretaxas de água, de canal?
Só o pode mesmo fazer uma empresa que tenha garantida a venda dos seus produtos para o estrangeiro e mão de obra barata.
Theotónio

Hipnos disse...

Caro Theotónio,

Muito oportuno esse seu comentário, em breve dedicaremos uma postagem a esse problema do custo da água.

Os melhores cumprimentos.

Anónimo disse...

Theotónio
Esqueceste a "Lei das Sesmarias promulgada pelo Rei D. Fernando", para além de evitar a falta de alimentos, fazer face à desertificação dos campos?
A Lei da Sobretaxa de que falas serve para encher cofres e tal como no reinado de D.Fernando que deixou as portas abertas para a evasão castelhana, estão a abrir caminho para perdermos esta zona para os estrangeiros.
Que apareça alguém que nos salve.
Jonas

Anónimo disse...

Estão a destruir o resto desta "Ditosa Pátria" que teve Homens reconhecidos internacionalmente e de tal forma notáveis que passados séculos ainda os apresentam às gerações actuais como exemplos, este o caso de D.Nuno Álvares Pereira.
E agora?
Onde está alguém que nos salve?
Onde está um Homem digno de D. Nuno e D.João I e jovens dignos dos Altos Infantes?
João de Andrade.